Poucos acontecimentos históricos foram mais deturpados e falsificados que o Outubro Vermelho de 1917. Os seus inimigos, amparados na sua hegemonia política e ideológica, ergueram um espectro de terror que apenas nos permite compreender nada do maior acontecimento do século XX. Žižek assinalou, a propósito do seu intento de reactualizar Lenin, que a primeira reacçom pública esperável era a risa sardónica ante a suposta catástrofe do socialismo real, que nom se pode tomar a sério na era da democracia liberal e os direitos humanos -enquanto Marx, pola profundidade das suas análises, mereceria polo menos um discreto respeito académico.
Tristemente, boa parte da esquerda mundial claudicou ante esta pressom, ante a história escrita e reescrita umha e outra vez polos vencedores, e reflectiu a ideologia dominante, esquecendo o seu posto no relato dos vencidos, assumindo a autofobia e ignorando a afirmaçom de Marx segundo a qual os homes realizam a história, mas nom em circunstáncias escollidas por eles. Frequentemente celebram os políticos e intelectuais que permaneceram estranhos ao poder, em contraposiçom aos que assumiram o governo, e mesmo chegam a denegrir Outubro, o maior desafio que enfrontou o sistema capitalista, quando obreiros e campesinhos tomaram, por primeira vez na história, o poder nas suas maos. Losurdo propom um paralelismo com um acontecimento histórico moito mais antigo, para denunciar a pretensom da “pureza” que encarnaria a exterioridade total a este passado.
Tal como os cristaos do Evangelho de Marcos, dirigindo-se aos próprios romanos vencedores, se empenhavam em declarar o seu total alheamento em relaçom à revoluçom natural judaica acabada de derrotar, assim nos nossos dias procedem os comunistas: rejeitam indignados a suspeita de que haja qualquer fio a ligá-los com a história do “socialismo real”, e reduzem esta última a umha simples sequela de horrores, na esperança de recuperar credibilidade, às vezes aos olhos da própria burguesia liberal.
Fronte à colonizaçom da consciência histórica, pensamos, como Badiou, que a hipótese comunista nom só nom é absurda, criminal ou merecedora de esquecimento, senom que nomea “a única cousa pola que paga a pena interessar-se pola política e pola história”. E propomos conhecer e utilizar esta experiência como processo de aprendizagem útil para aqueles que, no século XXI, reivindicamos a destruiçom do capitalismo e a construçom do socialismo. O seu anúncio, um futuro sem explotaçom, continua vivo trás o dilúvio, como afirma Jean Salem
Jacques Derrida dizia algures que apreciava muito um texto de Kant em que este afirma que “mesmo que algumhas revoluçons [Kant pensa na Revoluçom Francesa] fracassem ou marquem momentos de regressom, elas anunciam que existe a possibilidade de progresso dessa humanidade, atestam essa possibilidade”. Mesmo que… Também nós diríamos isso, a propósito de Outubro de 1917 e do defunto movimento comunista internacional.
À maneira spinoziana, nom deveríamos rir nem chorar ante esta história, senom tentar comprendeé-la. Detenhamo-nos nalgumhas sequências do Outubro Vermelho. Também em 1917 o contexto estava amplamente dominado polo adversário. Mas este nom é alheio às debilidades que gera à sua própria dinámica, nem à pressom do movimento popular. Nom foi por acaso que a Revoluçom acontecesse no momento mais crítico da primeira guerra mundial, um extraordinário acelerador da história, e em grande medida como resultado desta guerra, que revelara a inerente instabilidade do sistema capitalista. Milhons de súbditos do Império Russo -um território imenso serodiamente industrializado, dominado por umha oligarguia terratente aliada com o clero ortodoxo, que emancipara os servos só há um par de geraçons, para sumi-los na nova servidume do dinheiro- foram mobilizados para batalhas sem sentido, e o resto padeciam a carestia, os racionamentos e a repressom do czarismo. Tratava-se, nom obstante, dum improvável candidato para commocionar o mundo.
O ódio contra o czarismo medrara progressivamente desde a decáda de 1860, e recorrentemente sucediam-se estouridos de violência insurgente, que acabariam com a vida dum czar, Alexandre II, en 1881, no centro de Sam Petersburgo. O descontento volveu agromar com a frustraçom polo inesperado desenlace da guerra com Japom, e em 1905 desatou-se umha revoluçom mista que Lenin chamaria de ensaio revolucionário geral nas suas Cartas de Longe: os liberais mobilizavam-se contra a autocracia; os obreiros em demanda dumha mínima legislaçom laboral e depois em reacçom ao “domingo sanguento”, um massacre contra obreiros desarmados que se manifestavam pacificamente; as masas campesinhas ante a situaçom de empobrecimento. A revoluçom de 1905, que creou símbolos como a revolta dos marinheiros do couraçado Potenkim, tema da obra-mestra de Eisenstein, foi aplacada com algumhas concessons institucionais bem cativas, mas deixou a primeira experiência de conselhos populares, chamados sovietes.
Em 1917, o malestar ampliara-se, reforçado polo cansanço da guerra. As manifestaçons, -jogarom um papel essencial as das mulheres- foram duramente reprimidas, e só a dimissom do czar puido aplacar as revoltas. A autocracia reempraçava-se por um Governo Provisório, liderado por Kerenski, basseiado na autoridade da Duma. De repente, o mundo estava ao revês. Como describiu Marc Ferro, toda autoridade era questionada: os actores escolhiam o seu próprio espectáculo em Petrogrado, livres das decissons do director; em Odessa, os estudantes elaboravam um novo programa educativo; em Moscova, trabalhadores das fábricas obrigavam aos patronos a aprender direito operário; os revolucionários anteriormente proscritos retornavam a Petrogrado, à cidade chamada a acolher três revoluçoms, desde o exílio exterior e desde Sibéria. Em apenas umhas poucas semanas de fevereiro, Russia desfazia-se do czarismo. Nom obstante, isto nom avondava. A oligarquia rusa mantinha o seu domínio, e a guerra continuava, o que se revelaria um erro fatal para o governo de Kerenski.
O éxito da revoluçom de fevereiro, na que se fundiam correntes absolutamente diferentes, fora inesperado, e tampouco a sua estrutura dual de poder era conhecida. Por um lado o soviet, o conselho de operários e soldados, no que se manifestavam as recorrentes desputas entre todas as correntes do movimento revolucionário. Por outra parte, o Governo Provisório, dimanado da Duma. O czar exiliava-se, anontando no seu diário que abandonava a cidade “com a alma desgarrada”.
Milheiros de russos escreverom telegramas e mensagens -mesmo chegados em cortiça de bidueiro- a ambos poderes, ao governo e ao soviet, com as suas reivindicaçons. A classe operária reclamava aumentos de salários, melhores condiçons sanitárias ou segurança no emprego. Os campesinhos insistiam na urgência dumha paz rápida e equitativa, e frequentemente reclamam que a terra tem de ser de quem a trabalham. Os militares, atrapados numha situaçom complexa, questionam as operaçons ofensivas na guerra, e repudiam as obrigas repressivas da disciplina militar. Para realizar a sua política, o governo precisava no mínimo da toleráncia dos sovietes.
Pronto as contradiçons do régime emergem à luz. Segundo Trotski, derivam das peculiaridades contraditórias do novo sector pequeno burgués, situado entre a burguesia e as massas, dos temores dos que ensinam a estas que a burguesia é o inimigo, mas que o que mais temem é libertá-las da sua férula. O governo Provisório, que tiveras de fazer algumhas concessons e garantir algumhas liberdades políticas, quer adoptar umha postura de firmeza, e rejeita a reduçom do aluguer da terra, a jornada de oito horas, ou o relaxamento da disciplina militar. E, com certeza, nom vam planear a paz, que entendiam como umha rendiçom humilhante. Os problemas vitais continuavam sem soluçom. Como escreveu Bukharin: para a burguesia, a prolongaçom da guerra, tem por obeto estrangular a revoluçom, enquanto para o proletariado o estrangulamento da guerra tem por objeto a prolongaçom da revoluçom.
Nom obstante, a maioria dos membros do soviet contentavam-se com as perspectivas de democratizaçom do regime, segundo o modelo ocidental, e adiavam a revoluçom socialista a umha etapa sucessiva, o que explica que cooperassem com o Governo Provisório. Tratava-se dum equilíbrio que só duraria até abril, até a chegada de Lenin à Estaçom Finlándia de Petrogrado.
É um dos instantes sublimes da história, que para Edmund Wilson representava o final perfeito da sua história do movimento radical moderno, um evento que Stefan Zweig descreveu como um dos seus momentos estelares da humanidade:
O primeiro gesto de Lenin em chao ruso é característico. Non fixa nas pessoas, senom que, antes de nada, lança-se sobre os jornais. Durante catorze anos nom pisou Rússia, nom viu a sua terra, nem a bandeira, nem o uniforme dos soldados. Mas, a diferença doutros, a este inquebrantável ideólogo nom lhe escapam as báguas. (…) O jornal. Primeiro, o jornal, o Pravda, para comprovar se o diário, o seu diário, atem-se de modo suficientemente resoluto à opiniom internacional. Com raiva, enruga o jornal. (…) Ainda nom há, desde o seu ponto de vista, suficiente revoluçom pura (…). Sente que é o momento de cambiar o rumo e de fazer avançar a ideia da sua vida para triunfar ou sucumbir.
Mas a resposta que entom dá a realidade nom tem precedentes. Quando o trem entra na estaçom finlandesa, na enorme explanada dianteira há centos de milheiros de trabalhadores. Guardas de honra de todos os batalhons e regimentos aguardam ao que retorna do exílio. Soa a Internacional. E quando aparesce Vladimir Ilich Uliánov, o homem que anteonte vivia en casa do zapateiro remendom, é agarrado por centos de maos e subido a um tanque. Desde as casas e desde a fortaleza, os projectores enfocam-no a el, que desde o carro blindado dirige o seu primeiro discurso ao povo. As ruas tremem. E pronto começam os dez dias que abalaram o mundo.
As Teses de Abril desmentem a viabilidade da aliança entre soviete e Governo Provisório, e visam outros objectivos que vam mais alá da república parlamentária. A dualidade de poder reflecte um periodo transitório do desenvolvimento da revoluçom. A proposta de Lenin luitou contra o cepticismo de quase todos, a começar polo seu próprio partido, para rejeitar a conciliaçom: Se o socialismo só pode ser realizado quando o desenvolvimento intelectual de todo o povo o permite, entom nom veremos o socialismo antes de cinco séculos, polo menos. A polémica explodia de vez: reforma ou revoluçom, desenvolvimento do processo revolucionário ou apoio ao Governo Provisório do grande capital, independência de classe ou acordo com a burguesia, fidelidade aos acordos com as potências estrangeiras ou ruptura com a guerra, capitalismo de jogo democrático ou estabelecimento do socialismo. Para Lenin, a burguesia rusa nom fora capaz de luitar a sério, de assumir um papel revolucionário até as últimas consequências, contra o regime dos nobres terratenentes, senom que chegara a se fundir com ela em inúmeros negócios.
A peculiaridade do momento actual na Rússia consiste na transiçom da primeira etapa da revoluçom, que deu o poder á burguesia por faltar ao proletariado o grau necessário de consciência e organizaçom, para a sua segunda etapa, que deve colocar o poder nas maos do proletariado e das camadas pobres do campesinado. (…)
Nengum apoio ao Governo Provisório, explicar a completa falsidade de todas as suas promessas, sobretudo a da renúncia às anexaçons. Desmascaramento, em vez da «exigência» inadmissível e sementadora de ilusons de que este governo, governo de capitalistas, deixe de ser imperialista.
Nom uma república parlamentar (…) senom umha república dos Sovietes de deputados operários, assalariados agrícolas e campesinhos em todo o país, desde baixo até acima.
Supressom da polícia, do exército e dos funcionários.
E assim, polo flanco mais inesperado, começou umha auténtica revoluçom, obra de sovietes que começavam a actuar como poder autónomo. Já nom desempenhavam só o papel dum contrapoder, senom que eram à vez ferramenta da eliminaçom do antigo Estado e germe do novo (proletário), ao jeito da Comuna de Paris. A palavra-de-ordem “Todo o poder aos sovietes!”, promovida polos bolcheviques, estende-se em poucos meses, e de feito estendem-se por toda Rússia os conselhos locais de obreiros e campesinhos; atribuem-se a autoridade nas fábricas; apoderam-se da terra e repartem-na; os soldados desafiam aos oficiais e desafiam a autoridade; todos reclamam o fim dumha guerra sem sentido. Esvai-se o prestígio do Governo Provisório, que procura umha saída numha nova e fracasada ofensiva militar, à vez que aumenta a influência dos bolcheviques; em julho, o Governo realiza um novo massacre contra o povo desarmado e actua contra o Partido Bolchevique, forçado de novo à clandestinidade e com o seu jornal Pravda proibido, com a fácil acusaçom de que actuavam ao serviço de Alemanha.
Lenin deve exiliar-se de novo, agora em Finlándia, um tempo que aproveitará para escrever O Estado e a Revoluçom, onde reafirma e radicaliza a sua tese sobre a extinçom do Estado. O Estado, afirma, é sempre o Estado da classe mais poderosa, da classe economicamente dominante que, também graças a ele, se toma a classe politicamente dominante e adquire, assim, novos meios de oprimir e explorar a classe dominada. Assim, a democracia capitalista autoriza os oprimidos a decidir que membros da classe dirigente os reprimirám no Parlamento. Chamam liberdade “à liberdade de obter lucros para os ricos, à liberdade dos obreiros de morrerem de fame”. A ditadura do proletariado -tam fácil de caricaturizar nos meios liberais- é a resposta à ditadura da burguesia, nom à democracia liberal.
Empurrados polo temporário trunfo do campo da reacçom, os mencheviques e socialistas-revolucionários retrocedem nas suas posturas. O 9 de julho, o Comité Executivo Central dos Sovietes transfere todo o poder para o Governo Provisório. Em Agosto, Kerenski pretende debilitar a revoluçom por meio dumha manobra, convocando umha Assembleia Constituinte.
No entanto, as forças mais reaccionárias nom confiavam já nestes jogos parlamentares. Em setembro, um general direitista, Kornilov, tenta um golpe de Estado. Mas fracassa ante a opossiçom de muitos soldados a obedecer ao general, quem foi feito prisioneiro.
A resistência oposta a Kornílov aumenta a confiança dos bolcheviques, que adquirem o apoio dos sovietes de Petrogrado e Moscovo, entre outros muitos sovietes locais. Lenin retorna e chama a preparar umha insurreiçon iminente, concentrando todas as forças na preparaçom da luita armada para levar a Revoluçom até ao fim. As revoluçons, escreveria algumha vez, nom se podem nem provocar por encomenda, nem retardar indefinidamente; a hora da revoluçom nom é previssível, mas seria um crime imenso perder esse momento. Nom todos os bolcheviques compartem a sua postura, já que sabiam que pronto seriam maioria nos sovietes, mas finalmente impom-se esta opiuniom, com dez votos a favor e dous em contra (Zinoviev e Kamenev, que tanto o lamentariam no futuro).Um comité militar revolucionário do Soviet encarrega-se dos preparativos, enquanto a cidade de Petrogrado vive numha tensom extrema.
Sem apenas efusom de sangue, numha soa jornada, os bolcheviques controlam os pontos neurálgicos da capital fundada por Pedro o Grande. Central Telefónica, Estaçom do Báltico, Central Telegráfica, caem numha noite agitada. O Palácio de Inverno, sé do Governo Provisório, é acordoado. O Soviet de Petrogrado celebra umha reuniom permamente no centro da tempestade na que, como contou o jornalista norte-americano John Reed, os delegados adormecem no cham, acordam e prosseguem o debate, até doze horas por dia. Kerenski foge disfarçado.
Ao mesmo tempo celebra-se o II Congreso Panruso dos sovietes de Deputados Obreiros e Soldados, Os bolcheviques possuem agora a maioria, e proclamam a dissoluçom do Governo Provisório e a transferência de poder aos sovietes. Aprovam também três decretos que pretendem começar a solucionar as questons mais cruciantes: proponhem umha paz justa e democrática, sem indemnizaçons de guerra nem anexons territoriais; a aboliçom da propiedade dos terratenentes sem compensaçom, se bem este texto respondia, neste momento, às aspiraçons dos socialistas-revolucionários, mais que às teorias bolcheviques sobre a socializaçom da agricultura; e a criaçom dum Conselho de Comisários do Povo como Goberno Provisório, com Lenin como presidente, sob a autoridade do Congreso dos sovietes. Os sovietes aclamam a Lenin, e os adversários dos bolcheviques abandonam o salom, afirmando que irám ao Palácio de Inverno a morrer junto ao governo -o que nom chegariam a fazer- enquanto Trotski os despreza, a berros, como o “entulho que será varrido para o cubo do lixo da história”.
A Guarda Vermelha, composta basicamente de obreiros industriais, avança sobre o Palácio de Inverno, enquanto o couraçado Aurora -que dera o sinal, por meio dum tiro, para o início do assalto- dispara salvas de fogueo, que tiverom um papel decisivo segundo Victor Serge. Ainda hoje pode ver-se no Palácio, convertido em Museu Hermitage, o relógio do gabinete onde se reunia o Governo Provisório, detido -segundo se afirma- no momento exacto em que entravam os soldados bolcheviques. No salom entrou Reed, que observou umha mesa pola que se estendia a impotência absoluta do governo:
Em frente de cada lugar vazio havia umha caneta, um tinteiro e um papel; as folhas estavam sarrabiscadas com esquemas de planos de acçom, com rascunhos apressados de proclamaçons e manifestos. A maior parte destes estavam riscados, por se ter tornado evidente a sua futilidade, e o resto do papel continha desenhos geométricos feitos distraidamente, por os seus autores esmorecerem ao ouvirem ministro após ministro propor projectos quiméricos. Guardei umha destas folhas escrita por Konoválov que começava assi: “O Governo Provisório apela a todas as classes para que dem o seu apoio ao Governo Provisório…”
A primeira consequência da revoluçom, que indignaria aos aliados de Russia, seria a retirada da guerra. Nom seria a única surpresa no mundo ocidental, já que viria seguida do repúdio da dívida externa, as expropiaçons de terratenentes e patronos. Mas a substituiçom do Estado burgués é impossível sem umha revoluçom violenta, advertira Lenin, porque os explotadores manterám umha resistência prolongada, obstinada e desesperada, porque nunca houve umha revoluçom na história sem guerra civil. De facto, a revoluçom teria que garantir a sua própria supervivência, ganhar umha guerra civil e afirmar um control efetivo sobre um territorio inmenso. Apresentava-se como primeira etapa dum movimento destinado a extender-se por todo o mundo. Nos anos sucessivos, “fazer como os russos” será o sonho de massas revolucionárias ao longo do mundo. Mas a revoluçom socialista mundial, que os soviéticos consideram imprescindível para garantir a sua continuidade, nom chegará, e estes atoparám-se numha “fortaleza assediada”.
Se bem a principal obra de Outubro já nom existe, nom é possível esquecer que por primeira vez os oprimidos abriam o caminho para realizar um sonho quase inimaginável, mas milenário, a construçom dumha sociedade sem explotaçom. Parece difícil pensar que possa existir um ascenso do próximo movimento revolucionário sem conhecer os setenta anos de socialismo abertos por Outubro. Como afirmou Álvaro Cunhal, toda leitura tem detrás um conteúdo ideológico, e o século XX nom só poder ser lido como o do fim do socialismo, senom, polo contrário, o das primeiras experiências socialistas, que afrontarom, sem esquecer os erros cometidos, as dificuldades inerentes ao colossal esforço empreendido. Mesmo nos momentos mais duros, a experiência soviética tivo um papel progressivo, tornou possível a existência de direitos sociais em Europa, e pavimentou o caminho de processos de descolonizaçom em todo o mundo, sem esquecer o seu papel fundamental na derrota do fascismo. Lembrar Outubro, nom como um passado petrificado senom como um processo de aprendizagem, com as suas próprias contradiçons e conflitos, é imprescindível para qualquer intento de recomposiçom e relançamento do movimento comunista, para a construçom da revoluçom que tanto amamos.
José Emilio Vicente
Xornalista e militante do Movemento Galego ao Socialismo
(Publicado no dixital Contrapoder.info)