No número 8 do nosso jornal porta-voz nacional, o Combater, entrevistamos a Ana Costoya Viqueira, jovem ativista do grupo feminista Conas Ceives e da Plataforma Galega polo Direito ao Aborto.
Boas, Ana. É inegável que no último ano e meio a luita contra a reforma da lei do aborto foi a grande protagonista da agenda feminista. Que supom esta mudança para as mulheres em geral e para as mais novas em concreto?
Significa que imos viver -as mais novas, crescer- com o nosso corpo em dependência de terceiras pessoas. Sobrepassa o direito reprodutivo à interrupçom voluntária do embaraço e toca a nossa soberania como pessoas. Imos viver numha sociedade hipersexualizada mais com uns direitos reprodutivos restringidos que deixam a mulher desamparada e que, ademais, ao ficar penalizado trasláda-se ao imaginário colectivo como algo mau. Incrustarám-nos essa incoerência e formará parte, queirámo-lo ou nom, da educaçom e criaçom social das nossas futuras geraçons, justo onde mais nos dói como povo.
A dia de hoje, muitas mulheres que conquistárom avances en matéria de direito a decidir sobre os nossos corpos estám a ver como se dá um passo atrás de mais de trinta anos e estes direitos som roubados. Pensas que en geral a mocidade é consciente do que supom a reforma?
Nom há consciencia do que custou estabelecer o direito a decidir sobre o nosso corpo, ao igual que outros direitos com os que crescemos. Nom ensinam nas escolas como a populaçom do Savinhao exerceu a sua protesta contra o primeiro franquismo para exigir pam, muito menos nos contarom de que a maioria eram mulheres. Nom nos educam para nos decatar do poder popular e isso é um problema grave e de base.
Ademais, fica o individualismo -a característica principal que precisa o capitalismo para existir- que se traduz em que nom sejamos conscientes de como as mudanças nos afetam coletivamente. Entom, penso que a mocidade sabe que vai acontecer -porque sim conseguimos que chegue a mensagem de que vai supor a reforma- mas estes erros nos cimentos fam que muitas pessoas só sejam consciêntes do anteprojeto do aborto na medida em que crem que lhes vai perjudicar como sujeito individual.
Como valoras como moça e ativista as mobilizaçons contra a reforma da Lei do Aborto do último ano e meio na Galiza?
A primeira manifestaçom à que acudim com a minha irmá, que agora tem 17 anos, foi no marco das mobilizaçoms contra a reforma da lei do aborto. Junto a ela vinham mais moças do que foi o meu instituto -o IES de Ames-. Ver umha manada de rapazas berrando, defendendo, portando bandeiras, estando juntas -e a penas mirando o telefone- foi tremendamente ilusionante. As feministas estamos fazendo umha frente comum, a mocidade está retomando o lilás, o teorema feminista -na economia, no jurídico, no cinema…- está mais vivo que nunca, estamos batendo com umha força inmensa num Estado incrivelmente totalitário, cruel, neoliberal e misógino. O feminismo reconhece-nos por como somos e defende que podamos ser iguais com as nossas diferenças, o próprio teorema social une-nos. Essa pluralidade nota-se quando saimos à rua, essa pluralidade nota-se na Plataforma Galega polo Direito ao Aborto. O conseguido aí é incribelmente forte.
Como valoras a capacidade de artelhar um espaço nacional com agenda própria no contexto dumha luita estatal?
Somos feministas, repudiamos a Alberto Ruiz-Gallardon, e também somos galegas. Somos defensoras do Corpo, da Terra e da Língua, luitamos pola soberania em todos os aspetos da nossa vida. Neste eido, é imprescindível umha agenda própria como mulheres e como galegas.
Como imos ser soberanas sem termos um poder de convocatória próprio? Agora bem, isso nom nos impede unir e querer as nossas vizinhas e companheiras, em relaçom de iguais e somar-nos a convocatórias. Mas só quando haja relaçom igualitária, nom somos feministas para logo ficar supeditadas como povo nem pedimos um povo livre para quedar atrapadas no patriarcado. Nom é por presumir de luita, mas somos o mais radical que existe neste país dépois do licor café com canha da casa.
A reforma da Lei do Aborto serviu para criar espaços de participaçom amplos para unir forças, que prós e contras tenhem este tipo de espaços?
Os espaços há que construí-los e isso custa. Tecer relaçons nom sempre é doado mas pequena tela que fagas, notas o seu abrigo como se fosse umha lareira. O inverno é mui frio na luita social e a construcçom de base. Os prós, como em toda relaçom, é o apoio que ganhas, a força que possues, a capacidade de trabalhar melhor e mais rápido, ter mais recursos, é estabelecer umha sociedade dentro doutra. Os contras som também os de todas as relaçons, tes que nutri-las, às vezes desesperas-te porque te atascas e frustras, outras vezes custa-che ceder nalgo que para ti é importante mas para o resto nom… Aspetos que pensando friamente é o mesmo que nos ocorre noutros espaços da nossa vida. Ao fim e ao cabo o ser humano é um animal social. Encanta-nos ouvear… mas também é certo que só sabemos caminhar em manada.
É satisfatória a implicaçom dos coletivos e organizaçons mixtas nesta batalha?
Nota-se muitíssimo as organizaçons mixtas nas que existe umha empatia interior e nas que nom. Nas que nom existe, a verdade, tenho dúvidas sobre se é satisfatório… Se nom és capaz de pôr-te na pele dumha companheira ou companheiro que fás numha organizaçom? Som cousas que se me escapam. Quando notas essa filosofia empática e solidária -algo que se percebe deseguido- a presença do colectivo é mui grata e enriquecedora. Nom há formas únicas de estar numha luita, somos tam diversas e as frentes som tantas, que ter a companheiras/os contigo é umha das razons que ao final do dia che fam que sigas querendo estar aí, na rua, com unlhas e dentes defendendo o teu direito a existir… que nom nos matem por ser mulheres, que nom nos torturem por ser independentistas, que nom nos vistam com peles do animal chamado progresso se somos anticolonialistas.
A releváncia histórica da reforma da Lei do Aborto fai que o seu protagonismo deixe num segundo plano outras luitas feministas do momento. Quais pensas que som as grandes batalhas coletivas que se nos apresentam neste momento às moças galegas?
Nom imos ser a geraçom que perda o direito da mulher a ser livre. Defendemos tam arduamente o direito ao aborto porque querem quitar-nos a liberdade sobre o nosso corpo… se nos quitam isso o seguinte que pedirám, já o sabemos, é a nossa cabeça. A nossa batalha é fazer trincheira dende o corpo cara afora. Já o estamos a fazer ao repensar a merda de prejuizos que nos tatuarom em cada estria, em cada grao, em cada lunar amorfamente único. Dende a nossa pele cara afora, temos que seguir luitando. Fazer greves de cuidados, berrar que os pelos da cona nom som masculinos, meternos o dedo no naris e enviar-lhe um moco ao desconhecido que che di ‘que guapa’ como se fosse o adjetivo polo que te devem valorar e te deves sentir definida, fazer entender aos partidos maioritários -e muitas veces mesmo estrangeiros- que quando reivindicamos empoderamento feminino polo menos a maioria das pessoas que deveriam portar faixas e megáfonos teriam que ser desse género, deixar claro aos organismos anti-repressivos que existe a dispersom de género e nom só a política, reivindicar o nosso direito a ensinar umha teta e que ninguem se escandilize como se fosse um terceiro olho ou aplauda como se se tratasse dum espectáculo de David Copperfield,que podes dizer penhaço e nom conhaço, e assim ser um chisco menos sexista, defender que podemos ter a sexualidade que queiramos sem ter que explicá-lo na folha paroquial, tirar o conteúdo da tua copa menstrual ao polícia que te quer deter por levar palavras escritas na tua pele. Somos as tolas históricamente histéricas às que ninguem vai calar, caminhar com esse objectivo e decisom em todos os aspectos da nossa vida, é o nosso grande repto: imos revolucioná-lo todo.