Mas, entom, os ativistas da flotilha eram bons ou maus?

1275219578237.jpg

Lim ontem umha chocante notícia em El Mundo: na cidade petroleira de Hassi Messaoud, no sudeste da Argélia, dezenas de maes solteiras, divorciadas e viúvas som regularmente insultadas, humilhadas, roubadas e agredidas por viverem sozinhas. Esse assédio, mal contido pola polícia, tem-se repetido por muitos anos e atingiu o seu mais violenta expressom na noite de 12 de julho de 2001, quando 300 homens armados invadírom as casas das pecadoras, espírom-nas e violárom-nas, procedendo depois a queimar ou enterrar vivas algumha delas.

Em 25 de Abril passado, a psicóloga Charifa Buata criou, juntamente com outras mulheres e organizaçons feministas, um Coletivo de Solidariedade para defender o direito de viverem e trabalharem nas condiçons de sua escolha, sem a “proteçom” de um homem.

Em princípio, a notícia pareceu-me impecável do ponto de vista jornalístico, mas depois percebim que era pouco consistente com o modelo se aplica a outras questons. Em comparaçom, foi – como dizer?- pouco “eqüidistante”. O responsável pola informaçom, nom teria que nos fornecer a versom do 300 homens ajustiçadores, ou polo menos o seu porta-voz autorizado?Nom estariam a defender os bons pais de família a sua masculinidade ameaçada, a sua identidade religiosa insultada, as tradições do país e a honra de sua populaçom?

E as mulheres assim tratadas, nom foram realmente umhas provocadoras a dar um mau exemplo da sua criminal independência? Nom foram umhas fornicadoras sem vergonha?

Nom eram também violentas e agressivas? Talvez nom tentariam proteger-se enquanto os 300 virtuosos as espancavam e espiam, ou, mais ainda, nom tentárom elas próprias acertar com um punho os que estavam a salvá-las com facas dos seus próprios erros e transgressons? Será que talvez nom mereciam o que lhes aconteceu? E quanto à tal Charifa Buata, nom é umha entremetida à que há que lhe parar os pés? Umha fodida feminista, amiga de artistas e maricons, que vem de fora para quebrar a paz da cidade?

Assim dito, a história teria certamente sido muito mais “eqüidistante”: se 300 homens armados com facas, ispem, violam e matam mulheres sozinhas em casa, esses homens têm o direito de dar sua versom, a justificar, a degradar as vítimas, a defender a sua conduta.Teram-no perante um juiz, sim. Mas também nos meios de comunicaçom?

A notícia de El Mundo sobre as mulheres de Messaoud nom é “eqüidistáncia”, mas de razoável objectividade: descrever os feitos provados, constituidores do crime, e também excluir qualquer possibilidade de identificaçom subjetiva com o agressor. É verdade que, precisamente resgatada neste momento e nessa capa, a sua “objetividade” alimenta a visom islamófoba dominante e até pode suspeitar-se que essa é a verdadeira razom de os leitores terem agora acesso a umha informaçom que, na distribuiçom de página, só baixo as declaraçons de Netanyahu contra o “terrorismo islámico” cobra vida e significado. Mas é esta mesma “objetividade” da notícia algerina, de forma tam refinadamente manipuladora, a que de repente ilumina toda a refinada manipulaçom da “eqüidistáncia” aplicado à notícia sobre Israel e a frota da Liberdade. A objetividade de um caso contrasta com a eqüidistáncia do outro e revela a intençom fraudulenta de ambos. Umha e outra -a objectividade e a equidistáncia- podem ser usadas, e usam-se diariamente, conta a ética e contra a verdade.

A verdade é que, se a objectividade nom é a regra que orienta a nossa imprensa, exceto para a promoçom de uma mentira, também nom o é a eqüidistáncia, com a exceçom de prejudicar a objectividade. Ninguém pode negar que nestes dias os meios de comunicaçom recolhérom o ponto de vista dos ativistas que estavam na Flotilha, difundírom as suas declarações e nom silenciárom as mais fortes condenaçons e denúncias. Ficar aqui significaria apostar na objetividade. Por que o recurso, neste caso, a eqüidistáncia? A imprensa espanhola nom costuma fazê-lo no caso do Iraque, onde a resistência continua na sombra, ou no Afeganistám, onde os talibáns som malvados mudos, nem com o Hezbollah ou o Hamas, aos que nunca se lhes pergunta pola sua “versom” de feitos, ainda sendo os seus países bombardeados e assassinados os seus concidadaos, e nem, escusado será dizer, é usado com a ETA, que nunca foi dada a palavra em nome da eqüidistáncia, depois de um ataque mortal. Por que, entom sim para os assassinos de Yildirin, Bengie, Kiliçiar e seus companheiros turcos? Bem, é muito simples: se do que trata é de defender Israel e nom se pode silenciar as vítimas, se há que dizer a verdade desativando todos os seus efeitos, entom é a eqüidistáncia a ferramenta certa.

Após atacar mortalmente a Frota, Israel capturou os sobreviventes, os feridos e os mortos, e também seqüestrou a informaçom. Nengum mídia denunciou este resultado natural dos crimes anteriores. Polo contrário, todos aceitárom como “fonte” de informaçom os porta-vozes dos assassinos e seqüestradores, de modo que, como muito bem afirmou em seu blog Samuel Quilombo (http://www.rebelion.org/noticia.php?id = 107 240), a própria estrutura da construçom da notícia quedou em maos de Israel. O governo israelense nom negou os feitos: reconheceu que o navio estava em águas internacionais, admitiu tê-lo assaltado, admitiu ter matado alguns de seus passageiros. Reconheceu, em suma, o seu crime. Mas logo impujo a convicçom de que além da objetividade, a verdadeira questom era saber se os ativistas eram bons ou maus, e nesse caso, segundo a definiçom religiosa de “terrorismo” já aceite por quase todo o mundo, contra eles estava ou nom tudo permitido. Relativamente aos factos nom houvo discussom, mas sim sobre o calibre moral dos mortos e os sobreviventes. Aqui por fim havia duas versons, e assim abriu-se a possibilidade maravilhosa além da objetividade, a muito mais decisiva da eqüidistáncia. A mídia abraçou entusiasticamente o debate, também o ministro Moratinos, que manifestou a sua disponibilidade para “escutar o que tenham a dizer” os três ativistas espanhóis (como se fosse julgar as suas vozes e o seu tom e esperar a penetrar em sua alma com o olhar para avaliar o que aconteceu). Mas o problema é que os próprios ativistas aceitárom-no.

Desde agora a questom é saber se os passageiros da frota de liberdade eram bons ou nom, se eles realmente eram pacifistas, se eles estavam carregando armas ou nom e se a sua intençom era sinceramente humanitária. Israel, com a cumplicidade da mídia, conseguiu desviar a atençom da objetividade dos feitos para a subjetividade da vontade, conseguiu deslocar o centro de gravidade do direito à religiom.Todas as religiões, incluindo as três monoteístas, sempre sublinhárom a necessidade de a vítima sacrificial ser pura e imaculada, porque é precisamente a sua pureza a que a torna digna dos deuses: a tendência a sempre falar bem do morto, e especialmente dos assassinados, é um resíduo dessa mentalidade sacrificial que o Levítico estritamente regulamenta, mas também pode ser encontrada na Grécia. A idéia de justiça, como Sócrates formulou primeiro e depois o direito penal, rompeu com esse conceito religioso da vítima como um catalisador subjectivo da violência. O que importa, aos olhos da lei, nom a moralidade do agredido, mas a açom do agressor. Israel, nom negando o acto mas a pureza da vítima, restaura precisamente a lógica do sacrifício, no qual os ativistas ficam atrapados com as suas alegaçons de inocência. O resultado é que, lendo os jornais nestes dias, é preciso ter muito cuidado para nom ser levado por três falsas evidências que se imponhem com a mesma aceitaçom do debate:

– A do crime ser quebrar e nom impor o bloqueio de Gaza.

– A do crime estar em defender, e nom atacar, o navio.

– A de que, afinal, é mais violento o feito de afirmar a legalidade do que violá-la.

Um grande sucesso, como podemos ver, da estratégia dos mídia, cuja “eqüidistáncia” consegue o efeito tremendo -abracadabra- de dar volta por inteiro à objectividade dos factos. A igual distáncia de uns e dos outros, as vítimas nom poderám nunca ser o suficientemente inocentes, por mais coiraças e unhas que removam, como para nom resultarem falidas e, portanto, suscetíveis de extermínio. Assim o dixo o jornal italiano Il Giornale, na sua capa do 02 de maio: “Morrem dez amigos dos terroristas. Israel estivo certo em atirar”. Atirárom infringindo a lei, sim, mas atirárom contra os maus.

Quanto menos é cumprido, e justamente porque nom é cumprido, mais eu acredito no direito como mínima fonte de objetividade que nos impede de deslizar para a esfera religiosa, onde a partida será ganha sempre polos mais fortes. A violência que a destrói mancha também a vítima: isso é religiom. Em frente a ela -e frente à eqüidistáncia pró-Israel dos mídia- é necessário recordar aqui, finalmente, o que ninguém se atreveu a dizer:

que os princípios ideológicos do movimento Free Gaza e da Fundaçom IHH, assim como a assumida desigualdade de forças, excluem a possibilidade de que os passageiros do navio assaltado transportassem armas. Se as tivessem – e destrutivas e poderosas- talvez Israel teria pensado duas vezes antes de atacá-los. Mas o que tem que ser dito tem é que, se as tivessem, se os pacifistas tivessem armas e fossem atacados por Israel, entom eles tinham o direito e, ainda mais, o dever de se defender. E depois também o direito -e também a obriga- de se sentir bons.

Nom se pode aguardar que a ONU tenha a decência de condecorar e dar salários póstumos aos nove de Turquia por ter feito o que ela deveria ter feito. Mas a verdade é que a frota da Liberdade, com as suas cinqüenta nacionalidades a bordo, foi por alguns dias, navegando no Mediterráneo, as Naçons Unidas em que todos queremos ter abrigo.

Santiago Alba Rico

 

Partíllao!

En Facebook
En Twitter
En Pinterest
Polo WhatsApp
Ou polo Telegram
Email

Deixa un comentario