O significado da condenação

Carlo Fabretti* – 03.04.08

Afadigam-se agora os auto alcunhados media de referência numa campanha pela condenação dos actos terroristas, ao mesmo tempo que silenciam, e quando o não podem fazer absolvem diariamente os milhares de actos terroristas de Estado. “Se este fosse realmente um Estado de Direito, o melhor da esquerda abertzale «condenaria» um atentado como o de 7 de Março. Ainda que nesse caso já não seria necessário, porque seguramente não haveria atentado algum”.

(Carta aberta a um amigo perplexo)

Querido amigo:

Como bem sabes, tenho poucas dúvidas sobre a tua honradez e menos ainda sobre a tua inteligência, pelo que a tua perplexidade e indignação face à recusa da esquerda abertzale «condenar» os últimos atentados da ETA pareceram-me particularmente preocupantes. Porque se a perversa lógica da «condenação» calou fundo em pessoas como tu, temo que estejamos ainda pior do que parecia.

Não é necessário dizer-te que não apoio a ETA, não pertenço ao Batasuna e nem sequer sou basco, pelo que as razões que eu vejo para não «condenar» os atentados de 30 de Dezembro de 2006 e o do passado dia 7 de Março (nem qualquer outro) talvez te ajudem a compreender as dos que se vêem afectados pelo «conflito» (isto é, pela repressão) de forma muito mais directa e dolorosa que nós. Nos últimos anos expus essas mesmas razões em pelo menos uma dúzia de artigos (ver, por exemplo condenados, condenadores, www.lahaine.org/index.php?p=6764) mas, dadas as circunstâncias, creio que é oportuno repeti-las uma vez mais.

1. Se usamos o termo no seu estrito sentido jurídico, só os guises, e só depois de um julgamento justo e um veredicto de culpabilidade, se pode condenar alguém. Se o usamos no sentido religioso, condenar equivale a mandar para o inferno, isto é, a demonizar. E se o usamos em sentido figurado (como quando se condena um porta ou uma janela), equivale a bloquear de forma definitiva a incomunicar. Não é casual que o poder tente impor-nos um termo que permite, de imediato, criminalizar (sem juízo prévio, demonizar (equiparar ao mal absoluto) e incomunicar (negar toda a possibilidade de diálogo).

2. E mesmo no caso de ser lícito «condenar» publicamente certas acções, com que critério as escolheríamos? Não haveria que «condenar» também a inconcebível negligência dos que fizeram explodir a bomba do T-4 [1] sem que antes se assegurassem de que não estava ninguém no parqueamento? E por falarmos de negligência, não haveria que «condenar» todos os dias os acidentes laborais evitáveis, que no Estado espanhol são o dobro da média europeia (sai mais barato enterrar um trabalhador que pagar as medidas de segurança que poderiam salvar-lhe a vida), ou os acidentes de trânsito devidos a intoleráveis deficiências da rede viária? Com que autoridade e com que critérios alguém nos pode dizer o que devemos e não devemos condenar?

3. Mas vamos supor por um momento que, como dizia constantemente Aznar e também Bono, naturalmente), «o problema de Espanha é a ETA».

Esqueçamos as patadas, a especulação imobiliária, o emprego precário o desemprego, a violência de género, o envio de tropas para o Afeganistão e para o Líbano, as bases militares estadunidenses… E ainda que a ETA fosse realmente o único – o maior – problema do Estado espanhol, para tentar solucioná-lo e antes de «condenar», não haveria que analisar as causas da existência de uma organização com essas características? Somos muitos, dentro e fora de Euskal Herria, os que pensamos que se a tortura não fosse uma prática sistemática e impune (isto é, sistémica), a ETA estaria morta de inacção há muito tempo, porque o que alimenta as suas fileiras é, sobretudo, o ódio e o desespero que inevitavelmente gera o terrorismo de Estado.

Isto não justifica, (nem sequer explica) barbaridades como a bomba de Barajas ou o assassínio de Isaías Carrasco; mas explica o facto de alguns não condenarem a violência dissidente, quando ninguém condena a violência institucional, infinitamente mais grave.

Se o carniceiro que sequestrou, torturou, assassinou e enterrou em cal viva Lasa e Zabala não estivesse tranquilamente em casa a escrever as suas memórias; se Filipe Gonzalez se tivesse sentado no banco dos réus pela infâmia dos GAL; se Iñaki de Juana não tivesse sido condenado a catorze anos de prisão por um artigo de opinião; se não se tivesse perpetrado a aberração jurídica da sentença 18/98 [3];se não fossem apresentadas mais de setecentas queixas anuais por acções de tortura das várias polícias espanholas; se os presos políticos não fossem dispersados e segregados de forma inconstitucional…

 

Se este fosse realmente um Estado de Direito, o melhor da esquerda abertzale «condenaria» um atentado como o de 7 de Março. Ainda que nesse caso já não seria necessário, porque seguramente não haveria atentado algum.

Notas do tradutor:
[1] Bomba da ETA que explodiu num parqueamento do aeroporto de Barajas e matou dois emigrantes equatorianos que dormiam dentro de um carro.
[2] José Antonio Lasa y José Ignacio Zabala eram dois refugiados bascos, capturados pelos GAL («Grupo Antiterrorista de Libertação») organização criminosa criada em Espanha no tempo de Filipe Gonzalez. Tratava-se de polícias que actuavam à margem da lei, tal como os esquadrões da morte. Os seus crimes foram comprovados mas tanto os seus membros como Filipe Gonzalez, então Primeiro-Ministro e Secratário-Geral do PSOE, ficaram impunes.
[3] Sentença da Audiência Nacional, que declarou ilegais e dissolvidos os meios de comunicação, entidades mercantis, organizações políticas, rede de escolas de Euskara para adultos, a Fundação pacifista Josemi Zumalabe e condenou 46 pessoas a penas que somam 500 anos de cadeia como «membros, dirigentes ou colaboradores do grupo terrorista ETA», pelo simples facto de trabalharem nessas instituições.

* Escritor e matemático italiano, residente em Espanha

Tradução de José Paulo Gascão

Tirado de odiario.info

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