Deveriamos contar um conto às nossas crianças, um conto que salvaria muitas vidas.
O conto, como a maioria, começaria bem, com umha história fermosa, umha rapaça leda, Íria, com ilussons e projetos, com umha vida por construir. De seguido, a protagonista conheceria um rapaz, também com projetos e também com um futuro por diante. Namorariam-se como a gente se namora nos contos, como se de súpeto umha borbulha rosa envolvesse a parelha, atrapando-a num sonho de beijos e borboletas.
A estas alturas qualquer criança ficaria surpreendida, porque, nom é esse o final dos contos? Por que neste é o princípio?
Com o tempo, aquele rapaz ledo e com a vida inçada de projetos resultava ser nom tam ledo, e ter um único e obsessionante projeto: a vida dela, da sua parelha, da Íria; controlá-la, conhecer todos os seus passos, cada umha das suas conversas, das pessoas com as que se relacionava. Mesmo dessejaria saber quê pensava, que ideias habitavam na sua cabeça. Mas, como nom conseguia esse malvado projeto, desesperava-se, alporizava-se e berrava. Insultava-a, dizia-lhe as cousas mais feias que ninguém pudesse imaginar: que nom servia para nada, que era a mais parva do mundo, que ninguém a quereria nunca se seguia sendo assim. Às vezes, quando mais se alporizava, também batia nela. O conto diria-o bem claro. Batia nela.
Ao principio, a Íria respostava, discutiam, mas com o passo do tempo, começava a pensar que, se calhar, algo de razom tinha que ter o seu moço, porque ela nunca antes tivera outro moço e nom sabia muito de relaçons. Ademais, é verdade que era um pouco desastre, às vezes fazia as cousas mal. E pensava que, se se esforçava um pouco, as cousas iriam bem com ele. No fim das contas, era o seu moço, ela queria-o e ele a ela também, porque sempre se desculpava e lhe dizia que o fazia polo seu bem, para que corrigisse os seus defeitos e fosse mais feliz. Umha manhá, a Íria espertou e já nom vivia com o rapaz do que se namorou. Agora na sua casa habitava um monstro que lhe dava tanto medo que nom sabia como escapar.
Podemos imaginar como remataria o conto, porque só pode rematar dumha maneira. A violência, sabemos também, é umha espiral; no fim das contas, um calejom sem saída.
Se calhar, o nosso conto poderia ser outro. Um conto em positivo. Um conto no que a Íria, ao primeiro insulto, ao primeiro desprezo, à primeira falta de respeito, alçasse a voz e deixasse bem claro que nom há homem no mundo que tenha direito a submeter umha mulher, que nom há motivo nengum polo que alguem te poda menosprezar e que nom há amor onde falta o respeito. E também que nom há monstro que a Íria nom pudesse vencer com as armas mais importantes, com autoestima, consciência e empoderamento, e com a ajuda doutras rapazas que, como ela, umha vez tivêrom medo, mas soubêrom que nom estavam soas.
O machismo é um monstro que se alimenta das inseguranças e dos medos, inseguranças e medos que inçam a cabeça das rapazas mais novas, que medram numha sociedade que lhes (nos) ensina que nom som quem som para si mesmas, senom que “devem ser” para outro, para gostar ao outro, à olhada masculina.
O nosso conto tem que ser em positivo, porque o feminismo só sabe ser assim, só sabe construir mundos distintos nos que os monstros, os verdadeiros terroristas, os machistas, nunca terám cabida.
Laura Arjonilla
Militante de Isca! e do Movemento Galego ao Socialismo
(Publicado no dixital Contrapoder.info)