Há uns dias, umha manhã como outras tantas, amencíamos escandalizadas e alporiçadas ao lermos na imprensa que o governo do Partido Popular, com a lei na mão, negava que o assasinato machista dumha trabalhadora sexual a mans dum dos seus clientes, um militar espanhol, fosse violência de género. E as feministas, que nunca aceitamos umha resposta que conleve umha quebra dos nossos direitos, decidimos analisar a situaçom.
Umha lei inservível
Partimos do ano 2004, em que o Congresso dos Deputados, por unanimidade, aprova umha novidosa lei, a chamada Lei Orgánica 1/2004 de Medidas de Protecçom Integral contra a Violência de Género, que por vez primeira no Estado espanhol outorga um tratamento legislativo específico a umha situaçom que já nom podia continuar sendo ignorada. «Estaredes contentas as feministas», diziam. «O que queriades», engadiam.
Para aumentar as contradiçons, fôrom apresentadas máis de 160 questons de inconstitucionalidade contra a Lei Integral, a maioria delas alegando discriminaçom contra os homens. Daquela, o discurso das feministas tivo que se centrar na defesa dos avanços que trazia a aprovaçom dumha lei destas características. Mas, era isto o que exigíamos? Nom. E nom o digo eu, dez anos depois. Já o diziam daquela as mulheres comprometidas com a luita contra a violência de género, desde as associaçons de vítimas, desde organizaçons de base, desde setores de juristas feministas que viam as enormes deficiências que, de jeito intencionado, amosava esta nova Lei. Mas todas elas ficárom invisibilizadas.
Se o Partido Popular emprega o argumento da letra da Lei para justificar a sua nom categorizaçom do assassinato desta mulher como violência de género é porque pode fazê-lo. Literalmente, o art.1 da LO 1/2004 sustém que a violência de género é «a violência que, como manifestaçom da discriminaçom, a situaçom de desigualdade e as relaçons de poder dos homens sobre as mulheres, se exerce sobre estas por parte de quem seja ou for o seu cônjuge ou de quem esteja ou estivera ligado a elas por relaçons semelhantes de afectividade, ainda sem convívio”.
E dizemos que é umha categorizaçom intencionada, porque existiam outras possibilidades, começando polas que se empregavam naquela altura a nível internacional, como na Declaraçom da Assembleia Geral das Naçons Unidas, de 1993, sobre a eliminaçom da violência contra a mulher, em que se identificava «violência de género» com «todo acto de violência baseado na pertença ao sexo feminino, que tenha ou poda ter como resultado um dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico para a mulher, assim como as ameazas de tais actos, a coacçom ou a privaçom arbitrária da liberdade, tanto se se produz na vida pública como na privada». A Lei Integral exclui deliberadamente as manifestaçons de violência alheias ao âmbito das relaçons afectivas. Daquela, na sua conceitualizaçom, a violência que se exerce sobre as trabalhadoras sexuais polos seus clientes nom é violência de género. E nós perguntamo-nos: nom é essa violência, que chega ao extremo de arrebatar a vida dumha moça de 23 anos, manifestaçom brutal da relaçom opressiva dos homens sobre as mulheres?
Uma lei contra as estrangeiras
Porém, nom é este o único ponto aberrante da Lei Integral. Numera-los todos requeriria muito tempo, esforço e páginas, laboura que já figêrom as juristas feministas, mas foi umha árdua tarefa com a que ninguém se importou. Desta inominada vítima do terrorismo machista só conhecemos dous dados: que era prostituta, e que era marroquina. Estrangeira.
A Lei Integral outorga umha falsa protecçom às mulheres estrangeiras vítimas de violência de género. E é falsa porque está condicionada, subordinada à existência dumha sentença penal condenatória que, por pouco que saibamos do tema, conicidiremos na dificuldade de conseguir, nomeadamente naqueles casos em que a violência é psicológica ou, mesmo sendo física, no momento de ser denunciada nom se conta com evidências forenses recentes. A violência de género medra no âmbito privado, entre os muros das moradas, onde normalmente nom há mais testemunhas do que a vítima e o seu vitimário. Por isto nom é difícil topar muitas sentenças em que, por nom existirem evidências avondo (ou porque quem julga carece de capacidade para as apreciar), o homem é declarado inocente.
Mas a verdade formal que se gesta no processo judicial nom sempre é a verdade material, e essa mulher, vítima de violência de género, estrangeira e «sem papeis», que denunciou amparada nas modificaçons que a Lei Integral introduciu na Lei de Estrangeirice, topa-se com um expediente administrativo de expulsom do Estado espanhol. Porque desde o momento em que essa mulher pom um pé na comissaria ou no julgado para denunciar a sua situaçom, inicia-se umha conta atrás. Se houver sentença condenatória, podera respirar tranquila. Se nom houver, iniciara-se um prodecemento de expulsom (ou continuara o já incoado). Há que ser mui hipócrita para pensar que algumha mulher nesta situaçom se vai arriscar a interponher umha denuncia.
Mas a perversidade desta Lei nom remata ai. Porque o Partido Popular di que entre a mulher e o seu assassino nom existia umha relaçom de afectividade, simplesmente um «encontro esporádico». E este deplorável argumento foi empregado mesmo polos Tribunais para excluírem a aplicaçom dos tipos agravados de violência de género em relaçons entre adolescentes, por entender que tinham um carácter «episódico» ou por nom existir um «projecto de vida em comum e compartilhado». Semelhante aberraçom é fruito da ignorância do que é realmente a violência de género, algo indignante se partirmos da base de que quem realiza estes atrozes pronunciamentos faz parte do Poder Judicial.
Uma lei para nengumha
Para nom errar nas análises, a violência de género só pode compreender-se dumha perspectiva feminista. Assim, partimos dumha focagem estrutural que situa o Patriarcado como substrato social. As violências que os homens exercem sobre as mulheres polo simples feito de o serem precisavam dumha categorizaçom específica, e no Estado espanhol tomou-se o conceito anglófono de gender violence, geralizado após a Conferência Mundial de Mulheres de Beijim de 1995, para explicar que essa violência traz causa dos roles, dos papeis que a sociedade patriarcal atribui ao homem e à mulher respectivamente, e nom das suas diferenças biológicas ou anatómicas.
O género é a ferramenta máis potente do Patriarcado para perpetuar a dominaçom masculina. Daquela, o conceito «violência de género» debe compreender todas aquelas violências contra as mulheres que trazem causa do machismo, que procuram em ultima instância a nossa submissom e a perpetuaçom do domínio do homem.
Disto extraio duas reflexons. A primeira é máis bem umha petiçom dirigada às senhoras deputadas do PSOE no Parlamento espanhol: antes de fazerem perguntas sobre o porquê das cousas, leiam as leis que vocês mesmas redigírom, votárom e aprovárom, analisem essas leis com perspectiva de género e se, depois desta tarefa, toparem as suas aberraçons, proponham mudá-las. Mas nom vamos aturar que se empregue como arma eleitoral o terrorismo machista que vocês mesmas propriciárom com a sua legislaçom injusta, putófoba e xenófoba.
E a segunda: reflexionemos e sejamos críticas. A Lei é um dos instrumentos mais potentes de que gozam os poderosos para perpetuarem o estado das cousas. Se as prostitutas nom tenhem reconhecidos direitos laborais nem sanitários, se som situadas nas margens da sociedade, excluídas à mantenta, agardávamos que lhes fóram outorgar esta protecçom específica? Umha cousa está bem clara: umha lei que nom seja para todas, é umha lei que nom é para nengumha.
Laura Arjonilla
Militante de Isca! e do Movemento Galego ao Socialismo
Publicado orixinalmente en Contrapoder.info